"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

"GNOSE"

(Handall Fabrício Martins)

Ideias divergentes e até contrárias.
Todos reivindicam a posse da verdade; sobra quem se diga dono dela.
Não raro, tateiam o nada: no escuro andam e sobre (tudo?) isso se expressam.
Se se acendem os refletores, fogem – vistas cauterizadas se ofuscam –
ou colocam a chave de força na posição “off”.
Deliberadamente permanecem às cegas.
A negritude se revela não por ausência da luz,
mas pela impossibilidade da existência dela.
Para esses, esclarecimento não é a falta de trevas, mas, sim,
a inteligibilidade de obscuros caminhos.
Escuridade tão densa que já ocupa o seu lugar no espaço:
não cabe mais nada, apenas mais ausência do que não há –
entendimento.


sábado, 13 de fevereiro de 2010

conhecernimento

(Handall Fabrício Martins)

Estou farto de não ser quem sei. De que me aproveita, digam-me, conhecer, viajar pelas infindas letras, pelas variegadas e prolixas descrições do mundo e da vida se não me enquadro em nenhuma delas e nenhuma delas me comporta, nenhuma me suporta (neste sentido, sou mesmo insuportável). Sou incomportável, desconfortável, mas irritantemente comportado. Quem me dera uma dose de loucura e inconsequência...
Conhecer não é discernir, nem discernimento é sinônimo de conhecimento. O que vale mais a pena buscar? Cultura, informação, títulos os mais diversos, HD grande e cheio... (será que tudo isso não torna a máquina lenta?). E a sapiência, a sabedoria, o "é preciso saber viver", a experiência, a vivência, a essência...? Qual será a lógica - ou lógicas - que rege tudo isso? Prefiro nem tentar responder, mas apenas arriscar, especular, procurar pistas e, frisando, pistas daquilo que eu na minha incomensurável pequenez penso ser algo que pode, quem sabe, acalmar o ânimo de um outro alguém com as mesmas questões que me têm assolado.
Acho que nem posso chamá-las de pistas, pois o sentido de cada uma delas é muito óbvio. Mas não custa nada criar um pouco de expectativa e brincar com as palavras (!). O caminho - penso, humildemente - passa por decidirmos de que lado, definitivamente, vamos ficar. Jesus disse: "Nâo podeis servir a Deus e a Mamom". Quem ou o que é Mamom? Eu poderia explicar aqui, mas já o fiz no blog ("Sobre ter e ser - A idolatria do mercado e os rivais de Deus"). Dê uma espiada. Quanto a Deus, todos pensam saber quem Ele é, quando na verdade ninguém sabe. Ele é que nos sabe e nos possui, caso o permitamos.
A luta original da humanidade, na minha opiniãozinha, e que deu origem a todas as outras, é a batalha entre o ter e o ser: "o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males" (apóstolo Paulo). Paulo também falou da constante "luta da carne contra o espírito". O conflito e a crise fazem parte do (ser) humano. Quem não passa por altos e baixos, pra mim, não é normal. Eu mesmo vivo em crise. Costumo dizer, até, que eu não estou em crise, mas que sou a própria crise personificada (dramático...). Agora, quem não sofre costumeiramente da "crise do ter e do ser", é bom rever seus conceitos. Digo isso porque eu mesmo sou muito ruinzinho, egoísta mesmo. E egocêntrico. Mas, graças a Deus, encontrei pessoas que me amam verdadeiramente e me aceitam. Minha esposa está aí pra comprovar. Às vezes fico até com pena dela ('tadinha - ter que carregar uma mala feito eu...).
Bom, mas chega de lamento. Entretanto, pra quem não sabia, teologia também é isso: mergulhar na realidade da vida, pensá-la, senti-la, promovê-la, resguardá-la. A vida é um dom; faça bom uso da sua. Eu tenho tentado dar sentido à minha. Tem sido difícil. Mas ninguém disse que seria fácil.
Por enquanto, acho que é isso que eu tinha pra dizer. Pra quem teve paciência pra ler até aqui, parabéns. Você é prova de que Deus é o que é: "Eu Sou o que Sou", Ele disse. Então,...


terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

SOBRE AS ETAPAS PRÉ-CRISTÃS DA REVELAÇÃO DE DEUS NO PRIMEIRO TESTAMENTO

(Handall Fabrício Martins)

Talvez o que mais tenha contribuído para a mudança de mentalidade do povo de Israel com relação ao Deus do Êxodo, do deserto e da Aliança sejam, de fato, as marcas impingidas pelo desterro, que, literalmente, tiraram o chão do povo. Deus precisou permitir que o seu povo escolhido, eleito, amado fosse levado cativo, perdesse a posse de sua terra, a qual lhe foi dada por herança pelo mesmo Deus, segundo promessa e juramento aos antepassados, para que esse mesmo povo compreendesse que Ele, Deus, era muito mais do que aquilo que eles haviam emoldurado em seus corações: um Deus limitado, exclusivo, que habita um lugar específico, longe do qual se está longe do próprio Deus. Eles haviam “encaixotado” Deus, à medida que O tinham por terrível, distante e desvinculado do cotidiano: uma atitude conveniente e até contraditória, que expressava liberdade diante do profano e terror ante o sagrado. A religiosidade se manifestava na exterioridade, indiretamente. Deus era santíssimo, e o homem, impuro. Havia a necessidade de mediação para se relacionar com esse Deus, por meio de rituais e purificações, e sem isso era impossível relacionar-se com Ele.
Numa segunda etapa, Deus continuou sendo o Deus da Aliança, e Israel seu povo escolhido. Porém, a relação com Deus se tornou mais próxima, mais moral; Javé exigia fidelidade, queria atingir o coração, tinha ciúme de seu povo, como o esposo da esposa, e não queria meramente rituais. Interessante que a relação se tornou num “toma lá dá cá”, ou seja: o povo obedecia aos mandamentos e Deus o recompensava. Todavia, contraditoriamente, muitas vezes o ímpio se estabelecia, ao passo que o justo sofria: era uma lacuna que ainda havia na concepção de Deus e que precisava ser preenchida. Todavia, não existia, ainda, a noção de monoteísmo.
Durante e depois do exílio, concebeu-se a idéia do Deus Criador, único (monoteísmo) e desvinculado de qualquer lugar terreno; antes, universal (de todos os povos e terras – toda pessoa, de qualquer lugar, tem valor) e transcendente. Deus passou a ser visto como soberano, que faz o que quer, como quiser e com quem quer que seja, independentemente das atitudes humanas. Ninguém pode se arrogar justo diante dEle: ou o homem se submete ou é exterminado. O ser humano tem sede de Deus, porém também treme ante a sua glória. Sequer Seu nome pode ser pronunciado. A Aliança assume um papel ainda mais moral, individual, mas sua observância ainda determinava a história, ou seja, a lacuna da contradição, muitas vezes existente, entre obediência à Lei e recompensa aqui na terra, persistia. Só com a literatura sapiencial é que se começou a esboçar uma idéia diferente, usando-se os conceitos de soberania e transcendência de Deus. Para justificar aquela lacuna, introduziram-se as noções de sono de Deus, segundo a qual Deus despertaria e faria justiça ao justo e ao ímpio, e de prazo: Deus pode demorar, tardar, mas virá e fará justiça. Ainda não surge a esperança do além-túmulo; logo, a justiça é feita aqui na terra, mas essa justiça não chegava! Não cabia ao homem questionar, mas, tão-somente, calar-se e adorar, aceitar o agir de Deus, pois este não é passível de conhecimento, e a vida não tem um sentido lógico. Houve um distanciamento pedagógico, a fim de estreitar o relacionamento de Deus com seu povo, vivendo a gratuidade, sem parâmetros de méritos e merecimentos. Esboçou-se uma afirmação da profanidade das coisas e dos papéis cultual e histórico do ser humano no cosmos.
À par dos aspectos positivos existentes desde o início da trajetória de Abraão até o estabelecimento do judaísmo, alguns pontos negativos saltam aos olhos, por terem seu correspondente na atualidade. São eles: a) a mera religiosidade, legalismo, ritualismo e superstição; b) a crença de que se pode “barganhar” com Deus, cumulando, inclusive, créditos; c) idolatria dos sacerdotes; d) moralidade baseada em prescrições e proibições do tipo: “isso pode, aquilo não pode”; e) apropriação de Deus, arrogando-se o conhecimento dEle; f) fundamentalismo, no sentido pejorativo de se valorizar mais os dogmas do que a prática, desrespeitando a liberdade do outro; isso se manifesta por: proselitismo; divisão do mundo naqueles que são “dos nossos” e os que não são; uso ideológico e político da religião (aqui, os fins justificam os meios, inclusive os desumanos, como coação e violência); justificação teológica de diversas barbáries; justificação moral da história; g) fatalismo com relação à religião; h) desconfiança de todo propósito religioso; i) crença de que a religião nada tem a ver com a sociedade, mas só com a moral em nível privado; isso acarreta: a idéia de que as desigualdades sociais e todos os demais acontecimentos expressam a vontade divina; reforço da piedade individual, em detrimento da comunhão.
Agora, com relação à evolução positiva da teologia judaica e a herança dela para o cristianismo, podemos citar: a) Deus, o absoluto, é amor, pois só o amor desinstala, nos tira das nossas seguranças, e nos leva ao desconhecido, para onde nunca fomos, para fazer algo que não sabemos, mas que Deus sabe; b) o ser humano é colaborador de Deus, ainda que indireto, nos desígnios que Ele realiza na história, logo, somos o novo povo de Deus, o povo da nova e eterna aliança; isso tanto mais é verdade se olharmos o exemplo de Cristo, que recapitulou a história por meio de sua encarnação, vida, morte e ressurreição, inaugurando nova criação e sendo tudo em todos; c) transcendência, universalidade e unicidade de Deus, associadas: à fragilidade do homem; sua dependência de Deus; a gratuidade da salvação que Ele nos ofertou, independentemente de méritos, baseada na misericórdia divina e na nossa contrapartida (correspondente à fé e a entrega); à personalização e mediação do relacionamento com Deus, por meio de Cristo; à adoração.
Pode, à primeira vista, parecer que os aspectos negativos se apresentam como muito mais patentes e efetivos, haja vista tanta aberração e hipocrisia que se tem visto. Aliás, o dedo do homem, sempre querendo dar “uma ajudinha” pra Deus, tem sido o pior aspecto do cristianismo, revelando sua pior faceta. Entretanto, chegamos à plenitude da revelação de Deus na história, o Cristo, e, ainda que não compreendamos totalmente os desígnios desse Deus, sabemos que tudo reside em Jesus, porque dele, por ele e pra ele são todas as coisas. O Cristo representa para nós, cristãos, a própria experiência com Deus, aumentando-nos a fé, realizando-a e radicalizando-a. Cristo é o foco, em cujo centro está o próprio Deus, o Pai, que subverte a ordem “natural” das coisas e liberta, segundo o Espírito do mesmo Deus.
Desta forma, não há oposição entre o Primeiro e o Segundo Testamentos; ambos fazem parte de um movimento único. Jesus é a figura humana acessível e central, ao mesmo tempo em que é divino; não é uma revelação a mais de Deus, mas é o próprio Deus revelado. Infelizmente, os judeus não entenderam dessa forma, pois para eles, aceitar Jesus como Deus, seria abrir mão do monoteísmo que eles aperfeiçoaram a duras penas.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Plagialidade

"A medida da minha originalidade consiste em fazer algo que outros já tenham feito antes de mim, mas sem que eu ora o soubesse." (nem posso dizer que essa frase é minha, já que ela se aplica também a si mesma...)


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Será que existe uma visão religiosa a partir do olhar feminino e outra a partir do olhar masculino?

(Handall Fabrício Martins)

A historiografia oficial é a versão dos “vencedores” e, a partir da ótica destes, determina a religião “verdadeira”. Além de passar pelo crivo dos “vencedores”, essa religiosidade também é condicionada pelo sexismo. Ou seja, o referencial cúltico é, de regra, o masculino, ao passo que a religiosidade das mulheres sempre foi relegada à margem.
A religiosidade feminina sempre foi expressão do clamor contra a opressão. Não só a opressão impingida pelo homem sobre a mulher, mas também aquela sofrida pelos espoliados, marginalizados pela sociedade, fracos, pobres e doentes. O instinto maternal da mulher e as marcas de seu sofrimento milenar sempre a levaram a acolher e a promover a solidariedade entre mulheres e homens, escravos e livres, brancos e negros, patrícios e estrangeiros.
O homem, o masculino, sempre conseguiu fazer da religião uma ideologia (e desta uma "teologia"), uma estratégia de dominação; ao passo que a mulher, até pela situação de opressão que sempre vivenciou, procurou viver e praticar a religiosidade como a busca de alimento para a alma, alento em meio ao sofrimento; não de forma individualista, alienada, mas lembrando dos demais à sua volta que também sofriam.
As classes dominantes na sociedade ocidental – compostas de homens, livres e brancos – sempre projetaram para o "além" a hierarquia que construíram por aqui, no "aquém". Já as classes oprimidas, espoliadas e marginalizadas – mulheres, escravos, negros, índios, estrangeiros, enfermos, deficientes físicos –, desde sempre, construíram utopias, concebidas a partir dos ideais de justiça, de igualdade e de liberdade.
Ora, em meio a tanto sofrimento, quem não sonha, quem não cria e canta as utopias que gesta, perde o chão e o sentido, é tragado pelo abismo da anomia, da desesperança e da falta de perspectiva. E nesse respeito, o Evangelho é altamente subversivo e libertador. Ele representa a certeza de que Deus fará justiça aos pequeninos que a ele clamam, de dia e de noite.