"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

domingo, 28 de agosto de 2011

Jesus: pivô de discórdias; aquele que traz à luz o íntimo de cada coração (prédica)


Handall Fabrício Martins 


Mateus 10.34-39:

“— Não pensem que eu vim trazer paz ao mundo. Não vim trazer a paz, mas a espada. Eu vim para pôr os filhos contra os pais, as filhas contra as mães e as noras contra as sogras. E assim os piores inimigos de uma pessoa serão os seus próprios parentes. — Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais do que ama a mim não merece ser meu seguidor. Quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que ama a mim não merece ser meu seguidor. Não serve para ser meu seguidor quem não estiver pronto para morrer como eu vou morrer e me acompanhar. Quem procura os seus próprios interesses nunca terá a vida verdadeira; mas quem esquece a si mesmo, porque é meu seguidor, terá a vida verdadeira (NTLH).”
Nesse texto, Jesus diz, de forma bastante contundente, que não veio trazer paz à terra, mas a espada, a contenda, a contradição, a dissensão (distintamente do que ele diz em João 14.27, por exemplo). Para tanto, ele retoma Miqueias 7.5-7, que diz: “Não acreditem nos vizinhos, nem confiem nos amigos. Cada um tome cuidado até com o que diz à sua mulher. Pois hoje em dia os filhos desprezam os pais, as filhas desobedecem às mães, e as noras brigam com as sogras; e os piores inimigos de qualquer pessoa são os próprios parentes. Eu, porém, ponho a minha esperança em Deus, o SENHOR, e confio firmemente que ele me salvará. O meu Deus me atenderá.”
Ora, Jesus mesmo não foi reconhecido pelos da sua terra natal, Nazaré, nem pelos da sua própria família. Ao contrário, ele foi motivo de divisão. Marcos 6.1-4 nos fala: “Tendo Jesus partido dali, foi para a sua terra, e os seus discípulos o acompanharam. Chegando o sábado, passou a ensinar na sinagoga; e muitos, ouvindo-o, se maravilhavam, dizendo: Donde vêm a este estas coisas? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E como se fazem tais maravilhas por suas mãos? Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs? E escandalizavam-se nele (JESUS ERA UM LEIGO, E NÃO UM INTÉRPRETE RELIGIOSO AUTORIZADO). Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa.” Já em Lucas 4.24, ele afirma: “(...) De fato, vos afirmo que nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra.”
Quando de sua prisão, inclusive, Jesus foi tratado como um salteador, um criminoso, um bandido, levado por homens armados de espadas e porretes. Aliás, Pedro, nessa ocasião, também sacou de uma espada e feriu o servo do sumo sacerdote que estava ali com os homens que prenderam Jesus. Vemos, assim, que, tanto da parte dos discípulos, naquele momento, quanto do lado dos inimigos do Mestre, havia homens armados de espadas, cujo uso revelou o que estava em seus corações. É justamente o que Jesus havia dito poucos versículos acima, em Mateus 10.26: que todo segredo seria conhecido. No caso, também o da traição de Judas, que era do círculo mais chegado do Senhor e o havia trocado por trinta moedas de prata.
Em Atos 12.2, Herodes manda matar Tiago, irmão de João, ao fio da espada. Porém Paulo, em Romanos 8.31-39, rompe efusivamente e, quase em êxtase, movido pelo Espírito Santo, e respondendo à pergunta retórica que ele mesmo faz, diz, no verso 35, que nada, nem mesmo a espada, a morte, pode nos separar do amor de Deus. Louvado seja Deus por isso! Não obstante, o mesmo Paulo, em Efésios 6.17, refere-se à Bíblia, palavra de Deus, como sendo ela mesma a espada do Espírito. Semelhantemente, o escritor da epístola aos Hebreus, no capítulo quarto, verso 12, nos diz que “(...) a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.” Ou seja, Jesus trouxe a discórdia – a espada –, de que ele nos fala no texto do Evangelho de hoje (e que pode culminar até na morte, no caso de quem optar por segui-lo até o fim), mas essa discórdia/espada é consequência direta de se aderir ou não ao Evangelho/palavra de Deus/espada.
“JESUS, SUAS PALAVRAS E EXEMPLOS, SÃO MOTIVO DE DISCÓRDIAS, A FIM DE QUE AS VERDADEIRAS INTENÇÕES DO CORAÇÃO, AQUELAS MAIS PROFUNDAS E SECRETAS, SEJAM MANIFESTAS (cf. Lc 2.34-35).”
No verso 37, é preciso antes ter em mente o contexto em que Mateus registrou o seu evangelho. O momento era de profunda rivalidade, intolerância religiosa e perseguição. Os judeus que não creram em Jesus como o Messias esperado marginalizavam, rechaçavam e denunciavam às autoridades religiosas aqueles que entendiam que em Cristo se cumpriam as promessas da Primeira Aliança. Esse quadro terrível acontecia no íntimo das famílias, conforme nos relata o verso 37. E essas situações religiosamente conflitivas não ficavam restritas ao âmbito privado das casas, mas eram levadas ao conhecimento público, dividindo as famílias, tal como Jesus menciona em seu discurso iniciado no versículo 16 do mesmo capítulo décimo de Mateus. E famílias sendo divididas, naqueles dias, eram um prenúncio do final dos tempos, daí a seriedade com que Jesus e Mateus tratam a situação.
Ou seja, o Mestre estava querendo dizer que não importava se algum membro da família de uma pessoa não acreditava que ele, Jesus, era o Cristo. Importava, sim, que cada um tomasse a decisão existencial radical de segui-lo incondicionalmente, com todas as consequências advindas dessa decisão, mesmo que fosse a própria morte (v.38). Senão, vejamos o que Mateus nos diz um pouco acima, em 10.17, 21, 22: “E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas; (...) Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai, ao filho; filhos haverá que se levantarão contra os progenitores e os matarão. Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo.” Jesus está encorajando os seus discípulos com todas essas palavras.
Não tem nada a ver, portanto, com a interpretação que muitos têm dado a esse texto já há algum tempo, segundo a qual nós não só temos o direito, mas o dever de abandonar nossos familiares, caso isso seja feito em nome do Evangelho. Ora, segundo o próprio texto sob reflexão, o Evangelho pode trazer e traz, sim, conflitos familiares entre os que decidem existencialmente seguir a Jesus e aqueles que o rejeitam. Mas isso não nos autoriza a deixar nossos familiares de lado. Muito ao contrário, nosso amor e paciência para com eles devem ser redobrados. Não obstante, tais conflitos não devem embaraçar nossa carreira cristã. Lembrando do que diz Paulo a Timóteo: “Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado ae é pior do que o descrente” (1Tm 5.8).
Finalizando (verso 39), Jesus nos adverte que quem está preocupado apenas com seus próprios interesses nunca alcançará a vida verdadeira. Mas quem chega ao ponto de esquecer-se de si mesmo, pelo simples fato de ser discípulo de Jesus, esse alcançará a verdadeira vida. Noutros termos, isso quer dizer buscar o reino de Deus em primeiro lugar, pois Deus cuida de nós. Significa pensar comunitariamente, não egoisticamente. É lembrar que somos membros uns dos outros e que juntos formamos um corpo, o corpo de Cristo, sua Igreja. É como também Paulo, de novo, nos adverte:Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fp 2.4). E isso não vale apenas para nossa vida enquanto comunidade eclesial. Vale também para nós enquanto membros de uma família e de uma sociedade que carece de cidadãos conscientes, responsáveis e politicamente engajados.
Que Deus nos ajude a vencer o egoísmo e o medo que muitas vezes temos de assumir o Evangelho com todas as suas implicações. Amém!

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