"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ALELUIA!

Manchete do jornal "A Tribuna" (Vitória, ES) de hoje: 

"VITÓRIA JÁ TEM MAIS IGREJAS QUE BARES E PADARIAS"

O dado é impressionante. Vejamos: Vitória tem 123 bares, 26 supermercados, 93 padarias e 129 escolas. Já o número de "igrejas" - quem me conhece e à minha militância teológica entenderá as aspas; quem não entender, só lamento - chega a 525 [computando somente as que estão em situação legal (?!), ou seja, regularizadas]. 

Estarreçam-se ainda mais: somando-se o número de bares, supermercados, padarias e escolas, o resultado ainda é menor que o de "igrejas" - 123 + 26 + 93 + 129 = 371. Lembrando que 525 é o número oficial de "igrejas" em Vitória (quer dizer, excluindo-se as irregulares; mas, como assim, "igreja" irregular? Isso não seria uma contradição interna? Ah, esquece...). 

Gostaria de saber, também, o quantitativo de farmácias. Penso que, mesmo incluindo esse dado, o total de "igrejas" ainda seria maior (mas, por que farmácias? Ora, pare e pense...). Refletindo melhor, deveriam também entrar nesse balanço prostíbulos, bocas de fumo (?!), bingos (?!)... Não! - alguém diria - esses últimos são negócios ilegais! Ah, mas vender terreno no céu sem escritura, oferecer bênçãos sem garantia, prometer cura e prosperidade com base em carisma pessoal, promover sessões de êxtase e histeria coletiva, assegurar vida eterna após a morte sem saber o que vem depois desta existência, tudo isso pode, né?

Aliás, o que eu gostaria mesmo de saber é a "arrecadação", o "lucro" obtido por essas "agências da espiritualidade". Acho que, aí sim, o nosso espanto seria grande. Pois os milhões arrebatados - ops! quero dizer, extorquidos; não, melhor, barganhados; ah, deixa pra lá - dos fiéis devem suplantar, e em muito, o faturamento dos demais estabelecimentos citados no levantamento. Pra mim, não há outra explicação para a proliferação desse tipo de negócio - "igrejas" = dinheiro fácil. "Pequenas (ou grandes) 'igrejas', grandes negócios"...

Comércio de bens simbólicos, a garantia de vida no "além", as promessas de bênçãos materiais e físicas, entorpecimento coletivo, a certeza de se estar ao lado da "verdade". Pensa que é fácil fazer tudo isso?

 

domingo, 16 de setembro de 2012

Desesperança (ou soneto do exagerado hiperbólico)

Handall Fabrício Martins


Neste momento, estou totalmente confuso;
como um barco na tormenta, estou à deriva.
Pensamentos sem nexo é tudo o que produzo;
do mal que pensava curado, recidiva...

Outra vez por vias estranhas me conduzo:
a mente, ora livre, eis, de novo, cativa,
dominada por pensamentos em desuso,
que matam, 'inda que por eles eu não viva.

Que fazer?! Lamentar?! Isso não me aproveita!
Fugir?! Receio que isso não seja o bastante,
e, pior, me leve a uma via mais estreita.

(...)

Aos que me encorajam e me dizem: "Avante!",
digo: "a felicidade não me é afeita,
e não há nada que da cova me levante..."

domingo, 9 de setembro de 2012

"Ruah-Exú"

O texto é do Prof. Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro, disponível em: http://peroratio.blogspot.com.br/2010/11/2010570-ah-esses-tradutores-de-biblia.html
O título dado pelo ilustre teólogo à sua postagem é "Ah, esses tradutores de Bíblia...", mas não resisti à tentação de dar ao meu post - compartilhamento ipsis literis do texto do Osvaldo - o (sub-)título "Ruah-Exú" [que (não) me perdoem os estimados possíveis leitores cristãos ortodoxos...(rsrsrs)]*

1. Um capítulo relevante da "Teologia" é o capítulo das traduções da Bíblia. Um bom jornalista investigativo faria, sem dúvida, uma matéria avassaladora, se nos contasse os bastidores desse mercado. Nós, que lidamos ano após ano com os textos publicados por insuspeitáveis editoras, comprometidíssimas que são com a sã doutrina!, que sabemos dos rios de dinheiro que correm por sob essa ponte, e que conhecemos o resultado da tradução desses livros bíblicos, nós temos uma relativamente boa idéia de como funciona a coisa lá embaixo. Cá em cima, à luz do dia, o mercado conta os milhões - bilhões? - de dólares que isso rende.

2. A Bíblia está cheia - não é um nem são dois casos - de traduções mal feitas, sistematicamente repetidas, o que denuncia compromisso de censura ou absoluta impostura da parte das Editoras e dos tradutores. E isso é assim também porque não há nada mais herético do que uma Bíblia bem traduzida - explicar as boas traduções, dizer porque é assim, implica em revelar o funcionamento interno da "Teologia", das doutrinas, revelar que tudo não passa de cooptação da fé de povos originariamente não-cristãos, não-judeus, longos desenvolvimentos e transformações na história, ou seja, que doutrinas e Teologias, todas, sem exceção alguma, são coisas de homens e de mulheres, coisas que inventamos nesses dois milênios e meio de cristianismo/judaísmo - para o bem e para o mal, a fé é uma colagem de recortes.

3. Isso me remete, parenteticamente, a um parágrafo da monumental biografia que Losurdo escreveu de Nietzsche, que trancrevo: "conhecemos a violenta polêmica de Nietzsche contra a difusão da instrução que acabaria minando a necessária sujeição das vitimas sacrificiais da civilizaão. Também este tema está bem presente na história do pensamento moderno. Para Necker, 'a instrução é proibida aos homens nascidos sem propriedade'; seria uma catástrofe se eles desenvolvessem 'a faculdade de refletir sobre a origem das classes', da 'propriedade' e das 'instituições'; é preciso não perder de vista que a 'desigualdade dos conhecimentos' é 'necessária para a mnutenção de todas as desigualdades sociais; pôr em discussão 'a cegueira do povo' e promover junto dele 'o aumento das luzes' significaria fazer o ordenamento social vacilar'" (Domenico Losurdo, Nietzsche, o rebelde aristocrata, Revan, 2010, p. 397). Sempre, sempre, absolutamente sempre, esconder...

4. Ontem dei uma "aula-teste". Quero aqui usar essa aula-teste. Quero falar de 1 Sm 16,14-23. Primeiro, conto a história que você, se conhece, é assim que conhece, principalmente se é evangélico e lê as versões Almeida. Eis a "história" - falsa, porque ela é um embuste, se assim contada: porque Saul fez alguma coisa desagradável ao Senhor, o espírito de Yahweh (espírito do Senhor) sai dele e passa a atormentá-lo um "espírito mau da parte do Senhor". Porque, quando assim possuído, Saul passa a ter ataques apopléticos, os servos que o cercam diagnosticam o caso: trata-se de um "espírito mau da parte de Deus" que atormenta o rei - se um homem tocar a lira, o espírito mau da parte de Deus vai embora, e Saul fica bem. Saul toma providências. Acaba contratando Davi, e, o verso 23 dá conta disso, toda vez que o "espírito mau da parte de Deus" atormenta Saul, Davi corre, toca a lira, e o espírito mau vai embora.

5. Assim contada (mas, repito, é falsa a história), estamos diante de nossa própria mitologia. Há espíritos maus. De vez em quando, Deus os usa, dando-lhes ordens, para atormentar alguns de seus desafetos. É alguma coisa bem próxima da demonologia que cerca o povo evangélico. Se alguém quer ver esses espíritos maus em ação, basta adentrar um templo neopentecostal, aproximar-se e contemplar a cena dantesca... O que a narrativa faz é transportar essa Teologia/demonologia para o texto. Mas ao custo de fraude.

6. Não é nada disso que o texto hebraico diz. Na aula de ontem, apresentada a alunos de gradução com pouquíssimos conhecimentos de hebraico, eles mesmos me ajudaram, durante o exercício, a fazer a tradução mais adequadamente. E deixem-me contar a história tal qual a Bíblia Hebraica a conta.

7. Porque Saul fizera algo que desagradara a Yahweh, Yahweh retira de Saul o seu "espírito" e imediatasmente, um espírito mau "desde junto de" Yahweh passa a atormentar o rei. Não se trata de um "espírito mau da parte de Yahweh". A construção hebraica "me'et" é a junção de duas preposições - "min" (que indica origem = "desde") e "'et" (que, nesse caso, significa "com", "junto de"): no conjunto, indica localidade de origem. Assim, o que o texto hebraico diz é que, tendo saído de Saul o espírito de Yahweh, um espírito mau que fica junto de Yahweh passou a atormentá-lo.

8. Vendo isso, os servos imediatamente interpretam a cena: caramba!, um (ou o) espírito de Deus mau atormenta o rei. Sim - "espírito de Deus mau". A tradução - nas Almeidas - "espírito mau da parte de Deus" - nos v. 15 e 16 é um crime, um erro grave. No hebraico - ruah 'elohim ra'ah - não permite, sob nenhuma prestidigitação, aquela tradução: literalmente, só cabe: espírito de Deus mau. Nos dois versos - 15 e 16. O que o texto hebraico dá a saber é que se acredita, lá e então, em espírito de Deus mau, assim como se acredita em espírito de Deus bom. Na verdade, os dois conceitos são intercambiáveis.

9. No verso 23, quando a história vai ser, finalmente fechada, Almeida, desgraçadamente, corrompe, de novo, o hebraico: já vimos, quando o espírito mau de Deus (tradução errada) atormenta Saul, Davi toca a harpa, e o espírito mau vai embora. Mas não é isso que o texto hebraico diz. No v. 23, o que está escrito é que, quando o espírito de Deus - sim, ruah 'elohim - atormenta Saul, Davi toca a harpa, e, então, o espírito mau se vai... Vês? Para o texto hebraico, espírito mau desde junto de Yahweh, espírito de Deus mau, espírito mau e espírito de Deus é tudo a mesma coisa - trata-se, sempre, do mesmo agente.

10. A Teologia que está aí parece ser a seguinte: quando Yahweh quer fazer algo bom, manda seu secretário, ruah (espírito, vento, sopro), que, fazendo algo de bom, é interpretado como espírito de Yahweh (ou espírito bom de Yahweh). Quando Yahweh quer fazer algo de ruim, manda o mesmo secretário, e, então, ele é descrito como espírito mau de Yahweh Yahweh não faz, manda fazer, e quem faz, é, sempre, ruah, o espírito, de modo que, se faz algo bom, é bom, se faz algo mau, é mau. Simples assim. Estamos numa época em que o povo acredita que Yahweh pode fazer o que é bom e o que é mau - e ninguém há que lhe possa pôr o dedo em riste...

11. Aí me vêm os tradutores, todos, santíssimos, nobilíssimos, zeladores da sã doutrina, vigilantes da heresia, e, para maior glória de Deus, fazem essa lambança, corrompem o texto bíblico, adulteram a tradução - desavergonhadamente, eu diria, porque, se alunos de graduação sabem traduzir, por que não eles? Sabem, sim, senhores, sabem: é que, alguns, sequer lêem, quando traduzem, mas meramente repetem a longa fila das versões, ao passo que outros, sabedores do que vai embaixo, adulteram programaticamente, porque são zelosos da fé...

12. E eu é que sou o herege! Que orgulho, então!


*para quem não entendeu o paralelo entre Ruah e Exú, consulte: http://www.orixas.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1&Itemid=57 e http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/exu/

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Confidência Visionária (soneto)

Handall Fabrício Martins
(dedicado a alguns "ilustres e dedicados cristãos presbiterianos" que conheço)



Indisposição, tédio, saco cheio,
revolta com resultados contrários.
Asco, raiva, ódio e outros calvários -
- tempestades: foi o que sobreveio.

Desgostos tantos, males os mais vários,
quase tudo aquilo que mais odeio
aconteceu-me quando, bem no meio,
deles coloquei-me (aqueles otários!).

Pra não transformar-me num homicida,
suicidei-me, e recuei, covarde
(rejeição onde antes acolhida!).

Retirada, porém, não sem alarde,
foi o que fiz; mas, creiam, nessa lida,
vencerei: do que nunca antes tarde!