"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Remanescente (soneto)

Handall Fabrício Martins


Eis-me um vivo, um eterno redivivo,
em que das migalhas no próprio resto,
de minhas críticas no mesmo gesto,
contra toda esperança, sobrevivo.

Apesar do paladar indigesto,
e do efeito, ora pouco sugestivo
daquilo que sinto, que penso e vivo,
desejo ser da vida manifesto.

Nada sei da grande saga do humano,
e, menos, do infinito que há em mim:
trevas, luzes... e, disso, não me ufano.

"Só sei que nada sei": longe do fim
dos meus "por quês?" estou, e não me engano.
(...) Nos meus pés, calos; pedras no meu rim.



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Da sub-educação teológica de nossos jovens crentes


Osvaldo Luiz Ribeiro*

1. Segunda-feira dei aula de Teologia da Educação Cristã. A turma é híbrida - tem alunos de segundo período e alunos novos, de primeiro período. Você vem no embalo, com os alunos mais velhos (seis meses) e, súbito, o trem para na estação para pegar passageiros novos...

2. Em nenhuma disciplina do planeta, salvo aquelas que exigem pré-requisitos técnicos, isso seria um problema. Mas é teologia. Ninguém está, nunca, pronto para aulas acadêmicas de Teologia.

3. Na segunda, alguém já pergunta a um aluno antigo, depois da aula (escuta, esse professor é ateu?). Ontem, durante a aula de outro professor, perguntam a ele se o professor Osvaldo é crente...

4. Já falo sobre isso. Antes, comentar que é o eterno fluxo das novas fornadas. Todos os anos, alunos entram nas salas de teologia, vindos de suas respectivas EBD. O choque é inevitável, se você respeita a sua profissão de educar. Seis meses depois, já entenderam a coisa toda, um ano depois, começam eles mesmos a fazer os seus próprios questionamentos.

5. Mas as primeiras aulas, inevitavelmente, cabelos arrepiados, carnes trêmulas, ossos retesados, coração paralisado, susto...

6. Alunos novos de teologia...

7. Já disse aqui, outro dia, que considero criminoso o que se faz com os crentes. E o que eles mesmos deixam que façam com eles. Porque não se educam os crentes: se encabrestam. Pensar, nem pensar! Refletir, só a partir do dogma. Liberdade, só de falar mal dos outros, da religião dos outros, mas, para olhar para sua própria fragilidade, não.

8. São vítimas, coitados. E, todavia, vítimas que se tornam, algumas vezes, insuportáveis, porque se trata de uma situação de alienação engajada, a alma se torna violenta, o espírito, de Cruzada. Não são coisa com que se deva preocupar, mas quanto ao estado dessa mente, dessa alma, toda dor que se possa sentir por elas é pouco: estão aleijados, aviltados, violentados.

9. E usaram Deus, a fé e a Bíblia para isso...

10. Na sala de aula, não encontraram - muitas vezes! -, eco doutrinário. Mas isso não é o pior. Porque até poderiam encontrar eco doutrinário contrário à sua fé. No entanto, entrar numa sala de aula, você batista, e deparar-se com um calvinista a distribuir pérolas de Calvino apenas reforça o "jogo" da fé dogmática, o aluno batista faz-se ainda mais batista, ainda mais cruzado, ainda mais "fiel" - na verdade, ainda mais prisioneiro da "Ideia" que o controla e manipula 24 horas por dia...

11. Quando, todavia, ele encontra um professor, dois, três, que, em lugar de se pronunciarem desde uma posição doutrinária, posicionam-se fora do campo de atuação da doutrina teológica, assumem uma meta posição teórico-metodológica para, desde lá, analisar, como iguais, todas elas, todas as doutrinas, todos os dogmas, cristãos ou não, como fenômenos de cultura, fenômenos humanos, condição necessária para o estudo delas, aí, senhores, os "zumbis da fé" entram em colapso, porque, para eles - anotem: para eles - essa é uma posição de não-fé, de ateísmo, de apostasia...

12. Não entendem, mas entenderão, é uma questão de tempo - que o estudo e a pesquisa impõe a você uma meta-posição, a olhar as coisas desde fora, com o máximo de isenção e crítica possível. Mais ainda, não sabem nada de teologia, nada, nada vezes nada, e chegam em sala de aula como se soubessem tudo, porque a EBD lhes ensinou: seus pastores são criminosos, senhores, criminosos...

13. Aos novos alunos, eu diria, como disse, que devem fazer como Maria: guardem as coisas no coração, esperem, tenham paciência, estudem, leiam, reflitam, deem tempo ao tempo.

14. Aos demais, aos pastores, principalmente, eu diria que passou da hora de agir de modo humano com esse povo. Não é necessário acabar com as doutrinas, admito. Mas a catequese devia fazer-se no campo da pluralidade. Os meninos e as meninas "educados" (?) na Igreja deveriam aprender que essa doutrina assim e assim é representativa dessa igreja, mas não daquela, que, naquela, a doutrina é assim assado. Eles aprenderiam que o que têm na mão são tradições históricas, e que há outras, e, mais do que isso, que, acima de todas elas, se pode por-se a estudá-las como fenômeno humano.

15. Mas não: fazem-se de Deus os pastores, e inculcam na cabeça vitimada dos meninos e das meninas essas mesmas tradições, mas com o rótulo de verdade, de inquestionável verdade. Crime.

16. A educação teológica deve enfrentar essas situações - mas não porque isso faça parte da "educação" religiosa: é um acidente que poderia ser evitado. Mas acredito cada vez menos que será, porque, entra ano, sai ano, e lá se vão mais de 20, e a história se repete: a cada nova fornada, biscoitos cada vez mais assados... Ou menos. No ponto, um ou dois...

17. Ah, quase ia esquecendo de responder as duas perguntas: se sou ateu? Se ser ateu é recusar-se a repetir os credos, porque não os pode assumir como outra coisa que não tradição humana, e que como tal os reconhece e como tal os estuda, então sim. Se sou crente? Bem, o diabo é. Faz diferença?

*Osvaldo Luiz Ribeiro é doutor em teologia pela PUC-Rio e professor da Faculdade Unida de Vitória.