"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobre ter e ser...

A IDOLATRIA DO MERCADO E OS RIVAIS DE DEUS

(Handall Fabrício Martins)

Os principais problemas concretos denunciados pelos profetas do AT eram:
a) a má administração da justiça, fruto da corrupção e ganância;
b) a voracidade dos comerciantes, que buscavam cada vez maiores lucros e a qualquer custo;
c) a escravidão, a qual Amós julga injustificável em qualquer situação e Jeremias só admite no caso daquele que se vendeu como escravo, mas que deve ser posto livre ao fim de sete anos, como manda a lei;
d) o latifundiarismo, o acúmulo ímpio de terras;
e) o salário, que por vezes não é pago, ou é fraudado pelos patrões;
f) luxo, riqueza e esbanjamento, conseguido com a espoliação dos pobres.

Os profetas perceberam que o dinheiro havia se tornado um ídolo – rival de Deus – e a busca desenfreada pelo enriquecimento suplantava qualquer possibilidade de se praticar a justiça e o direito. Pelo contrário, as leis eram manipuladas e torcidas a fim de se beneficiarem os ricos, mediante o pagamento de suborno. Ora, se o primeiro dos dez mandamentos já estava esquecido – Deus havia sido substituído por Mamon –, os demais, principalmente os que se referem a não matar, não furtar, não cometer perjúrio e não cobiçar o que era do próximo, deixaram de ter qualquer valor. O “novo decálogo” poderia, quem sabe, ser assim formulado:
1) Eu, Mamon, sou o deus que te livrou da pobreza e da humilhação; podes ter quantos deuses desejares, desde que eles não te exijam o desapego ao dinheiro e nem que o gastes fazendo o bem a outros além de a ti mesmo;
2) Não tenhas pudores em te esqueceres de Javé, pois eu, Mamon, sou suficientemente poderoso para dar-te o que quiseres, riquezas sem medida e sem que te preocupes em teres quaisquer escrúpulos ou mesmo de seres fiel a mim;
3) Podes e deves ostentar a tua riqueza, inclusive humilhando o pobre e disputando com outros sobre quem é o mais rico e influente;
4) Nunca te permitirás o descanso, até o dia em que te tornares consideravelmente rico para folgares todo o tempo, enquanto teus servos e escravos trabalharão incessantemente a fim de aumentarem os teus bens;
5) No dia em que teu pai e tua mãe se tornarem velhos e um estorvo para ti, não hesites em abandoná-los em qualquer sarjeta, pois, do contrário, ser-te-iam um fardo pesado, atrapalhando-te em gozares com teus amigos e mulheres dos prazeres que te concedi;
6) No dia em que te enamorares da mulher do teu vizinho, sente-te à vontade para a possuíres, inclusive à força; se for necessário matar o teu vizinho para coabitares com sua mulher, faze-o sem remorso, pois eu, Mamon, compreenderei que o fizeste com o único intuito de saciares a tua cobiça e o teu egoísmo;
7) Mata todo aquele que te atrapalhar em realizares teus desejos, mesmo o mais fútil; eu, Mamon, me agrado quando um de meus servos age inescrupulosamente a fim de satisfazer seus próprios interesses;
8) Apenas com trabalho honesto nunca te farás rico; portanto, podes corromper as autoridades, te apropriar do que não é teu, tomar qualquer bem ou propriedade à força, quanto quiseres, pois isso me agrada;
9) Quando fores a alguma demanda contra o teu próximo, podes mentir o quanto for necessário para te escusares; mas não te esqueças de subornar previamente os juízes que decidirão a questão, para que te livrem e saibam que podem sempre esperar de ti outros subornos, caso venhas a ter que te apresentares diante deles novamente noutra causa;
10) Não sossegarás enquanto não tomares do teu próximo tudo o que ele tem, até vê-lo na miséria; não ponhas limite aos teus desejos; de tudo o que se agradarem os teus olhos apossa-te: vai e toma para ti, pois é teu.

“[...] Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por cujo desenfreado desejo alguns se afastaram da fé, e a si mesmos se afligem com múltiplos tormentos” (1 Tm 6.10).

A denúncia profética parece adequar-se perfeitamente a todos os males sociais produzidos pelo capitalismo:
a) leis, inclusive trabalhistas, que beneficiam mais os grandes conglomerados econômicos do que os trabalhadores;
b) venda de sentenças;
c) vazamento de informações privilegiadas;
d) a impunidade dos “ladrões de colarinho branco” e a prisão de ladrões de galinha;
e) mensalões;
f) interferência política mútua entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, em vez de independência e autonomia entre eles;
g) taxas de juros aviltantes;
h) lucros exorbitantes nas vendas de produtos;
i) carga tributária absurda;
j) jornadas de trabalho desumanas;
I) má vontade na resolução do problema da terra (reforma agrária);
m) baixos salários, que não são suficientes para atender as necessidades mais básicas das famílias;
n) enorme desigualdade na distribuição de renda, com um abismo separando ricos e pobres, bem como a concentração da riqueza cada vez mais nas mãos de uns poucos.

Os exemplos se multiplicariam, mas parece que os acima citados são o bastante a propósito do que se gostaria de evidenciar: o que Franz Hinkelammert e Hugo Assmann chamaram de “A idolatria do Mercado”. Segundo esses autores, tem-se optado pelos investidores e não pelos pobres, à custa da miséria e do sacrifício, literalmente, destes últimos. Para eles, o que presenciamos hoje é uma gigantesca luta de deuses – rivais de Deus – que têm ocupado o lugar do Deus verdadeiro.
Será que devemos nos conformar com a idolatria do mercado, com o consumismo irracional, nos entregando a essa lógica econômica que supervaloriza as mercadorias, o dinheiro e o capital, em detrimento da dignidade e da vida da pessoa humana? Existem muitas ideologias e teologias que justificam essa entrega, dando a entender que o sistema econômico atual, com todas as suas terríveis conseqüências, é o jeito normal de se viver. Mas também existem arautos proféticos que se levantam contra a barbárie promovida pelo capitalismo, erguendo novamente a bandeira da solidariedade e o altruísmo entre os homens, a despeito do individualismo e da competitividade que o mercado tenta impor, a qualquer preço. De que lado nós estamos?


3 comentários:

  1. Creio não haver e nem poder existir dúvidas acerca do assunto destacado. A espoliação precisa acabar. As pessoas merecem uma vida dígna, porém, sabemos que muitos não tem o menor interesse nessa parte do quadro. Apenas o seu interior merece espaço no contexto em que vivemos. Precisamos apresentar às pessoas uma solução. Penso que a valorização do ser humano deve ser alvo das nossas pregações mas sem esquecer que acima de tudo existe alguém que tem o poder para mudar todo esse quadro, mas somente o fará através do nosso esforço. Vamos juntos cumprir o nosso chamado. Os caminhos podem ter direções não semalhantes, mas têm o mesmo destino. Continuemos o diálogo, ele é a ferramenta para realização dessa tarefa.
    João Sergio

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  2. Parabéns pelo seu blog!

    Zé Roberto

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  3. CARAMBA QUANTA COISA ESCRITA

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