"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A profecia na atualidade III: A esperança cristã de uma nova criação e as crenças atuais no "fim do mundo" ***



Handall Fabrício Martins



“[...] Eis que faço novas todas as coisas [...]” (Apocalipse 21.5).

“E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Coríntios 5.17).

Segundo Stam, biblicamente, o “fim do mundo” é que dá início à nova criação. Todavia, tem-se entendido erroneamente esse “fim”, de maneira quantitativa, quando a correta compreensão é qualitativa. Os profetas bíblicos, por exemplo – exceção feita às passagens estritamente apocalípticas (que também influenciaram algumas narrativas neotestamentárias sobre o fim) –, se referem com esperança ao fim do presente estado de coisas: não haverá mais tristeza, apenas alegria; não haverá mais morte; cada um poderá usufruir o que construiu, e não outros; não haverá mais violência e destruição; a justiça reinará. Também segundo Stam, não se pode falar nem de salvação nem de ressurreição sem nova criação. Esta (“já” = presente) foi iniciada em Cristo, no poder do Espírito; todavia (“ainda não” = futuro), precisa ser tornada plena (por isso, vivemos “entre os tempos”). Como Cristo, também nós – os que nele morremos e ressuscitamos – somos primícias de uma nova criação.

“Tal esperança, longe de fomentar uma passividade narcotizada diante da história, chama-nos a uma vida comprometida de santidade e justiça [...] e de evangelização [...]. [...] [2 Pedro 3.1-13] chama os crentes a não somente se santificarem (3.11), mas a ‘apressarem a vinda do dia de Deus’ (3.12). [...] Nós, praticando agora a justiça da nova criação, podemos empurrar adiante a história e ‘acelerar o calendário de Deus’ [...]” (p.92).

“Um pessimismo histórico, dos que só podem cantar ‘todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação’ porque nada pode mudar (2 Pe 3.4), está muito longe e se opõe à esperança cristã. Também é um pessimismo apocalíptico, cuja única esperança é o céu (‘a ilha de meus sonhos’), porque para esta terra e para a história humana não se pode esperar absolutamente nada. A mensagem dessa passagem [2 Pedro 3.1-13] é que, além do juízo divino, há uma nova ordem de coisas, permeada de justiça, e que, enquanto esperamos, podemos e devemos fazer todo o possível para que se manifeste o reino de Deus aqui e agora. A esperança escatológica não cancela a esperança histórica, mas a fecunda. A esperança histórica inspira uma vida de santidade aqui e a prática de justiça agora, até que venha o Senhor” (p.92).

“[...] Nós trasladamo-nos, muitas vezes, para o céu, mas o pensamento judeu contempla as realizações finais, mormente na terra. Uma minoria de passagens coloca essas realizações no céu” (p.96). “[...] No final do livro de Apocalipse, a salvação dos fiéis não termina com ‘ir ao céu’, mas com viver plenamente na nova criação. De fato, em Ap 21-22, nada ‘sobe’ [...], mas as coisas descem [...]” (pp. 96-97). “[...] Toda a visão do Apocalipse termina com plenitude de vida numa nova terra, muito parecida à nossa, porém sem defeito algum. Isto descarta toda dicotomia de ‘céu’ (transcendental, espiritual) e terra (a presente e a futura). A partir de Platão, uma atitude ‘verticalista’ infiltrou-se em grande parte do cristianismo, onde tudo o que é bom está em cima e tudo o que está embaixo é mau [...]” (p.100).

“[...] Ap 21-22 também supera magistralmente todo dualismo da pessoa e da comunidade, do indivíduo e da sociedade. Até supera a falsa dicotomia de eternidade e tempo, pois o ‘fim’ não parece introduzir-nos na eternidade atemporal do céu, mas no início de um novo tipo de ‘tempo’ existencial perfeito [...]. Da mesma forma, o ensinamento da nova criação supera todo dualismo de esperança escatológica e responsabilidade histórica. Longe de chamar-nos a um escapismo que evita a ação histórica, chama-nos a viver agora a prática da nova criação e assim apressar sua vinda” (pp. 100-101).

“[...] Quantas vezes a pregação ‘profética’ (como de 2 Pe 3) tem sido ameaçadora, aterradora, para assustar as pessoas! Este tipo de ‘espantologia evangelística’ é realmente um terrorismo escatológico e não tem nada a ver com a grande esperança para a qual Deus nos chama. Não deve ser o medo do inferno, muito menos da grande tribulação, nem mesmo o simples desejo de alcançar o céu que convençam outros acerca do Evangelho. Também não podemos desesperar-nos com este mundo se cremos nas promessas de Deus. Tudo isso é essencialmente uma contradição da esperança evangélica” (pp. 101-102).


***texto baseado no livro de Juan Stam "Profecia Bíblica e Missão da Igreja", editado pela Sinodal. As páginas citadas são do mesmo livro.


3 comentários:

  1. A mudança do centro gravitacional desta vida para uma 'possível' vida eterna que se dará com todos os ansêios saciados contraria o conceito de vida abundante em João 10,10. a ligação viceral com o bem estar no tempo presente deve permear toda boa militância, o contrário é anarquia dos desesperados ( realmente espantologia evangelística)em pós de adéptos para um reinozinho que não se confirmará.
    Na música 'reizado' R. Fagner canta: ...Fala de um reino que há de vingar, fosse para um dia a vida melhorar cantaria noite inteira sem parar...Vê como a tradição caminha de mãos dadas com o bom evangelho do Senhor, no desejo de vêr melhores dias.
    No teatro amador, já se passaram ao menos uns vinte anos que João Leite na peça " O TEMPO PRESENTE " discursa sobre o vazio dos vigias noturnos sem estudo, salário dígno e sem perspectiva nas noites frias a contemplar o mundo ( a vida) fugir sem lenço e nem futuro. Vejo aí a sensibilidade de quem não se curva a essa teologia que se gloria de um abstratismo, que afungenta a realidade e se fia na alienação. Ignoramos tais vozes profeticas tal como no passado bíblico.

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  2. é valvico, a coisa passa por aí mesmo. temos de sempre de novo redimensionar nossas utopias, sabendo que elas nos servem de horizontes, os quais, sempre parecem se afastar de nós, à medida que caminhamos em sua direção. mas isso não nos pode servir de pretexto para que desanimemos e desistamos da luta. lembrando, também, que o conceito de milênio e congêneres, forjados pelos autores dos primeiros escritos canônicos da igreja, foram produto da demora da parúsia, elaborações teológicas para justificar a demora de Cristo em voltar para buscar os seus.

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  3. Os arranjos, os embustes sempre estarão entre outras a serviço das ideologias e dos desavisados que nossa história não para seu curso, aí numa tentativa de dar uma mãonzinha para Deus vão des(enrolando)novas explicações como estes conceitos forjados no calor procrastinante da parusia. Fico Handall com o pensamento de Robsom Cavalcante sobre utopia como aquilo que ainda haveremos de ver, talvez não como o desejamos. longe do escapismo preconizado por estas teologia, o Ap. 21.22 fala do cordeiro e do Senhor como o templo que substitui toda tentativa humana de transcender o material: templo é Deus e seu Cristo e homem é agente de aprocimação com Ele desde que caminhem juntas nações para este fim.

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