Handall Fabrício Martins
Na medida em que alguns profetas vétero-testamentários entendiam que Deus podia usar mesmo um império para impor Sua vontade a outro(s) império(s), admitia-se até a submissão dos judeus a uma outra nação. Ora, isso é perfeitamente compreensível se considerarmos a visão que os profetas tinham da história: a palavra de Deus – que expressa a Sua vontade – cria, interpreta e interpela a história.
Para os profetas, era Deus quem guiava toda a história. Então, se um povo chegava a exercer domínio sobre outro(s), era porque Deus tinha conduzido os acontecimentos assim, fazendo-os convergir naquele momento. Isso era admitido por alguns profetas, mas com esta ressalva: somente sob a condição de ser usado para fazer cumprir a vontade de Deus é que um império podia subsistir e exercer dominação. Claro que essa era uma maneira de o profeta tentar entender como e por que o povo escolhido de Deus podia sofrer tanto como sofreu sob o jugo de sucessivos impérios, ao mesmo tempo em que chamava o povo à conversão, à decisão pelo arrependimento, pelo retorno ao Deus da aliança.
Sob uma perspectiva diversa, porém, havia profetas que não admitiam, em hipótese alguma, a existência de impérios, a dominação de um povo sobre outro. O elemento nacionalista às vezes estava presente, mas era a suposta incompatibilidade entre a sujeição impingida por outro povo – de regra, de forma cruel – que o profeta não podia conceber. Fosse sobre os judeus, fosse sobre um outro povo, o profeta condenava a sujeição de uma nação pela outra. Era como se o profeta bradasse: “Isso não pode ser vontade de Deus! Como Deus pode consentir que um povo inflija sobre outro tanto sofrimento e aflição, com tanta crueldade, impiedade e transgressão? E, também, sobre o povo escolhido de Deus, sobre o meu povo?! Não!”
O que isso tem a nos dizer hoje, a respeito da idolatria do mercado total, entidade esta a que se atribui vida própria, auto-regulação e auto-equilíbrio, além de ascendência sobre todas as esferas da vida? Podemos nos conformar com a substituição de Deus por um ídolo produzido pelo amor ao dinheiro, raiz de toda espécie de males? O capitalismo, o mercado total e global e o consumismo são o jeito normal de viver? E isso à custa do sacrifício de tantas vidas humanas, espoliadas que são do pouco que têm, pois, a riqueza de uns tem sido construída ao preço da opressão, dominação, exclusão, marginalização, empobrecimento e extermínio de muitos? Onde estão os profetas de nossa geração?
Urge que restabeleçamos a aliança entre nós e Deus, mas isso só poderá ser levado a bom termo quando restaurarmos a aliança entre nós, a família humana composta de muitos filhos do mesmo Pai, promovendo a paz uns com os outros, sob o pressuposto da tolerância mútua, inclusive a religiosa, e nos reconciliarmos com a criação de Deus, a fim de assegurarmos, também, nossa sobrevivência em nossa casa comum, a Mãe Terra.
Atentemos para as orientações do Mestre (Marcos 10.42-45): “Jesus os chamou e disse: ‘Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.’”
Oxalá Deus nos ajude!