"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

domingo, 21 de outubro de 2012

Sai austeridade, volta o calote?

Clóvis Rossi*

[Estará havendo sinais auspiciosos de ventos soprando na direção do enfraquecimento do todo-poderoso  (?!) "Mercado"? Estará o "Mercado" ruindo? Estará a Europa voltando aos tempos dos chamados "estados de bem-estar social", nos quais as vidas humanas - e, agora, não só dos europeus, mas, também, dos habitantes dos países pobres/em desenvolvimento - valiam/valem mais do que aquilo que produziam/produzem? Ou será que estou sendo otimista demais? Bem, que o modelo de desenvolvimento atualmente vigente, representado pelo capitalismo global, está exaurido, isso já está quase pacificado. Vamos acompanhar o desenrolar da crise econômica global e aguardar o que o futuro nos reserva. "Quem viver verá". Por ora, fiquemos com o interessante artigo do Clóvis Rossi] 

O selvagem Orçamento que o governo de Portugal apresentou ontem pertence a um mundo falido, o mundo da austeridade como valor absoluto.
Um mundo construído para dar aos credores a certeza de que os países que adotam a austeridade (e são quase todos os da Europa) pagariam suas dívidas, qualquer que fosse o custo social e político.
Não está funcionando, de que deu prova, na semana passada, ninguém menos que Christine Lagarde, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, uma das instituições que funciona como xerife desse mundo.
Lagarde pediu mais tempo para que os países em dificuldades ajustem suas contas.
A esse primeiro sinal de que o mundo da ortodoxia está exalando seus últimos suspiros somou-se ontem artigo, no "Financial Times", que tampouco é arauto da heterodoxia, pregando o calote como necessidade para restaurar o crescimento.
O artigo não é de algum líder político da extrema esquerda ou de um porta-voz desses movimentos de "indignados" com a hemorragia gerada pela austeridade. Assina-o o economista-chefe de um banco, e não de um banquinho qualquer, mas do Citigroup.
"Também necessária para salvar o euro e criar as condições para a retomada do crescimento é uma reestruturação da dívida dos mais prováveis países insolventes --Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre e possivelmente Espanha, Itália e Eslovênia", escreveu Willem Buiter.
Buiter cita a "fadiga da austeridade" como uma das razões para pregar o calote, sob o codinome de "reestruturação da dívida".
Se, quando se instalou a segunda fase da crise, em 2010, apenas a Grécia era mencionada como candidata ao calote e, agora, até um banqueiro lista outros seis países na mesma situação, tem-se a mais escandalosa evidência de que a austeridade fracassou no seu intuito de se tornar seguro infalível para a "reestruturação".
Não sei se o palpite de Buiter será logo seguido, mas é evidente que o ambiente mudou.
Há um mês, a revista "Der Spiegel" já informava que a chanceler alemã Angela Merkel abandonara a ideia de a Grécia deixar o euro.
"Na Chancelaria em Berlim, funcionários temem que tal desenlace possa desencadear um efeito dominó como o causado pela quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008", que levou a economia mundial ao caos (só na Alemanha, a economia encolheu 5%).
Parece combinar perfeitamente com essa informação da revista o fato de que Wolfgang Schäuble, o todo-poderoso ministro alemão das Finanças, tenha dito domingo que "uma saída da Grécia da eurozona seria danosa para todo o mundo".
Manter a Grécia no euro significa ou dosar melhor a austeridade ou aceitar novo calote na dívida ou ambas as coisas.
É bom lembrar que Portugal já ganhou um ano a mais para fazer o seu ajuste. Se, assim mesmo, apresenta um Orçamento tão rigoroso que fatalmente agravará uma recessão que já é a mais dolorosa em 40 anos, significa que a austeridade como valor absoluto fracassou.
Insistir nela é suicídio --e países não costumam suicidar-se.



*Colunista do jornal "Folha de São Paulo"
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