"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Por UMA ciência das religiões? (parte 3)

Handall Fabrício Martins

O enigma da religião
O ser humano, diferentemente dos animais, nega-se a identificar o “real” com o “possível”. Em seu íntimo, existe um reduto de resistência que se recusa a socializar-se e rejeita como cabal o veredicto da realidade. O ser humano é, portanto, dividido, entre aceitar “o que é” e “o que poderia ser”. É a obstinação em não sacralizar o mundo como ele se lhe apresenta, em não dobrar-se à realidade e à sociedade como categorias últimas e inexoráveis. Noutras palavras, é como se ele dissesse: “o que é não deveria ser”. Esse fenômeno, que pode ser descrito como a capacidade de conceber o “ideal”, o “utópico”, acrescentando algo ao “real”, é a essência da religião:
A religião é o sonho do espírito humano. Mas também no sonho não nos encontramos no nada ou no céu, mas sobre a terra – no reino da realidade, apenas não enxergamos os objetos reais à luz da realidade e da necessidade, mas no brilho arrebatador da imaginação e da arbitrariedade [...] (FEUERBACH, 1988, p.31).

Através da religião, o ser humano realiza, na liturgia da imaginação, a mais elevada pretensão mágica da consciência: ele cria um mundo à sua imagem e semelhança, um mundo que ele possa amar. E, nessa perspectiva, não interessa a questão filosófica a respeito da existência de Deus – que é uma hipótese sobre um objeto –, mas, antes, a experiência religiosa, que é uma paixão subjetiva. Assim, a verdade da religião não reside na infinitude do objeto, mas na infinidade da paixão. Na religião, o ego descarta sua modéstia e explode para além de seus limites:
[...] A religião representa o ponto máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão dos seus próprios sentidos sobre a realidade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo (BERGER, 2004, p.41).

Nas palavras de Tillich, “[...] algo que nos toca incondicionalmente se torna sagrado [...] (1985, p.13). E: “[...] nossa preocupação última – aquilo que nos toca incondicionalmente – pode nos destruir assim como também nos pode curar. Mas sem uma preocupação última não podemos viver” (1985, p.15, grifo nosso).
Com respeito ao aparente conflito entre religião e ciência, de novo Tillich nos esclarece: “Razão é uma condição necessária para a fé, e fé é o ato em que a razão irrompe extaticamente para além de si. [...] Razão só chega a ser realizada quando ela é levada para além dos limites de sua finitude e experimenta a presença do sagrado [...]” (1985, p.51).
Quanto à religião no mundo moderno, reiteramos: aparentemente, a secularização não foi a morte dos deuses, mas, antes, a elevação de alguns fatores do nosso mundo, e que se pretendiam secularizados, ao status de divindades. Ora, será possível assumir o lugar de um deus sem se tornar um? Não foi isso que a ciência, a tecnologia e algumas ideologias fizeram? Nesse processo de secularização, assistimos à rebelião do secular contra os deuses que habitavam em nossos panteões. Os santuários foram invadidos e profanados; os deuses, expulsos e os rebeldes, mesmo com suas vestes seculares, ocuparam seus lugares nos altares, agora vazios. 
 

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