"Falar com 'Deus' é oração (?!); já ouvi-lo responder... é esquizofrenia."

sexta-feira, 26 de março de 2010

TEOLOGAR

(Handall Fabrício Martins)

No meu “Estatuto dos Poetas”, deixei implícito – para alguns, talvez, bem claro – que a teologia é (também pra mim) apenas mais uma das várias maneiras possíveis de se encarar, interpretar e descrever a realidade; mais uma ao lado de outras, como a história, a antropologia, a sociologia, etc. É o que muitos chamam de “reserva de sentido” ou, ainda, “cosmovisão”, “mundividência”; “visão de mundo”, portanto. Assim, o que me proponho a fazer é “pensar a realidade teologicamente, a partir dos referenciais ‘Bíblia’ e ‘cristianismo’”.
Creio (e vou logo avisando que não sou uma exceção; não, sou apenas mais um dentre tantos) ser impossível “falar de Deus”, como pode sugerir o vocábulo “teologia”. Tradicionalmente, sempre se falou em teologia a partir do significado etimológico do vocábulo de origem grega: Theós (Deus)+ logía (estudo, descrição). Logo, assim, teologia seria “
a ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo”. Mas, tendo em vista que é impossível colocar Deus num microscópio, dissecá-lo, ou analisá-lo como uma realidade objetiva, tampouco é possível “falar de Deus”.
Não obstante isso, é plenamente viável analisar as “experiências” (digamos assim, na ausência de termo mais preciso) que o ser humano tem com o “numinoso”, “transcendente”, “divino”, “absoluto” ou outro predicado qualquer que venha a ser atribuído ao “totalmente outro” a quem se convencionou chamar de “deus (Deus)”. É o fenômeno religioso que pode ser objeto de análise, seja em âmbito individual ou coletivo, seja em nível institucional ou particular. Logo – alinhando-me a Feuerbach –, acredito que não existe, de fato, teologia. O que resta, então, é apenas e tão somente antropologia, pois o homem só pode lidar com aquilo que lhe é próximo, contíguo.
Engraçado, isso: começamos por teologia e terminamos com antropologia. Não seria, então, o caso de falarmos em Ciências da Religião? Talvez. A teologia tradicional mesma - cristã, claro, que é a única que pode ser assim chamada; as demais só o são por analogia - tem de necessariamente lançar mão de uma gama de saberes científicos para fazer aquilo a que ela se propõe: sistematizar (ou, como muitos preferem, tematizar) o estudo da Bíblia e do cristianismo. Essa mesma teologia cristã, pra mim, na verdade, é simplesmente o produto de se submeter a Bíblia, o cristianismo e tudo o que lhes são correlatos a critérios definidos pelas chamadas "ciências bíblicas". Mas a teologia tem um componente de fé e de tradição que atrapalha que ela tenha um dos critérios imprescindíveis às ciências: a isenção e a imparcialidade, a neutralidade (pelo menos, pretensão de).
A relação entre teologia e ciências da religião é incontestável, íntima, porém, difícil de definir e nem sempre amigável; às vezes, tensa. Essa discussão foi inaugurada há anos e parece não ter data próxima pra acabar. E o debate é tão extenso que sequer me aventuraria aqui a falar dele. Então, prossigamos.
Bem, visto ser a Bíblia um dos meus referenciais, reporto-me agora ao “Livro dos Inícios” – o “gênesis” bíblico – para corroborar o que virá a seguir. Ali é dito que “Deus criou o ser humano à sua própria imagem e semelhança (o que denota nossa “divindade”); ‘macho’ e ‘fêmea’ os criou” (o que expõe nossa animalidade). Ora, se foi o ser humano feito imagem e semelhança de “Deus”, “Deus” é, inequivocamente, imagem e semelhança do ser humano. Daí, nada mais corriqueiro e natural do que concluir – como Feuerbach – que, na verdade, “o ser humano criou ‘Deus’ à sua própria imagem e semelhança”. A religião, a teologia e, em última instância, "Deus" (ou "Uno", "Absoluto", "Primeiro Motor Imóvel", "Arquiteto do Universo", "Mente Superior"), são consequência de o homem ser dotado de linguagem e de ser um "animal cultural". Tudo é fruto da cultura, a qual é condicionada geográfica e historicamente. E sendo a Bíblia e suas interpretações, ambas, empreendimentos humanos...
Desculpem-me se fui abrupto ou depressa demais aqui, mas, penso que a verdade é mais verdade quando dita de forma “nua e crua”, sem “amaciar”, digamos assim. Prefiro os “tratamentos de choque” aos “discursos paliativos” ou às “doses homeopáticas” que só postergam – pra não dizer anulam qualquer possibilidade de – o conhecimento da verdade. Ora, não é assim: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”?


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